Tuesday, February 27, 2007

O deserto

Não sou "de missa", mas às vezes apetece-me ir à Igreja. Claro que não me serve uma qualquer: vou ao Campo Grande, porque ouvir o padre Feytor Pinto é um privilégio. Sentimo-nos numa aula, com um professor excepcional, que nos ensina sempre alguma coisa. O que ele consegue "tirar" dos textos que são lidos na missa é espantoso. E, no domingo passado, mais uma vez a minha expectativa não foi defraudada.
A propósito das tentações de Cristo pelo demónio, quando estava no deserto, e depois de passado a pente fino todo o texto, o padre Feytor Pinto demonstrou que as tentações deste mundo, que nos parecem muitas, se resumem a três (!): o Ter, o Poder e o Prazer. Tão simples! E como ele exemplificou bem estas tentações no mundo contemporâneo: o Ter - todos procuram ganhar o máximo, ter mais dinheiro que o vizinho, mostrar a sua capacidade económica, não olhando a meios para atingir este fim. As pessoas escollhem o caminho mais fácil, o que dá menos trabalho. E, se for preciso, metem uma cunha a alguém, para lhes facilitar o caminho. O Poder - nem é preciso falar no poder político, no autárquico. O exercício do poder encontra-se no dia a dia, nas relações familiares, no emprego, até nos grupos de amigos: quem manda em casa? Os filhos mandam nos pais? O chefe manda nos subordinados? Quem é o mentor do grupo? Finalmente, o Prazer - vivemos na era do imediatismo. O prazer é para já, temos que o encontrar a qualquer preço, deixámos de ter tempo para esperar por algo que nos dê prazer, tem que ser JÁ! E como os nossos jovens são bem o símbolo desta época...
Continuando: O mundo contemporâneo é um deserto (a ligação ao tempo que Cristo passou no deserto e onde foi sujeito às tentações, às quais resistiu, claro, ou não fosse ele o Filho de Deus): cada vez mais árido, no sentido literal, por obra do Homem, que vai destruindo tudo sem pensar nas consequências, senhor do seu imenso egoísmo (basta pensar no protocolo de Quioto e no seu incumprimento pelo país que mais polui, leia-se EUA); e no sentido figurado - neste deserto físico a solidão espalha-se, alastra qual mancha de óleo, sem obstáculos que a detenham. Temos cada vez mais gente só, que pensa encontar companhia mergulhando no tal prazer imediato. Quando a festa acaba, a solidão é maior ainda...E aumenta a falta de capacidade de amar. As pessoas tornaram-se egoístas: envolvem-se nas causas humanitárias, muitas vezes só para ficarem de bem com a sua consciência, para não se sentirem incomodadas. Não custa ajudar o Banco Alimentar Contra a Fome, porque os que têm fome não estão à nossa porta. Mas somos capazes de ter gente com fome de amor e de atenção bem perto de nós, e nem damos por isso.
Diz o padre Feytor Pinto que ser bom cristão não é ir à missa todos os domingos e comungar. Claro que não. Ser bom cristão é ser capaz de dar sem esperar receber nada em troca, ter atenção ao outro, estar disponível, ser honesto e leal, pensar mais nos outros que em nós (o jejum quaresmal passa por aqui, e não pela privação de comida...)
Vamos tentar inverter a desertificação deste nosso mundo dando um pouco de nós?

2 comments:

Anonymous said...

E que bom seria se tudo se pudesse resumir a "ser bom cristão é ser capaz de dar sem esperar receber nada em troca, ter atenção ao outro, estar disponível, ser honesto e leal, pensar mais nos outros que em nós"!
E até parece que está ao alcance de todos...então onde estão os bons cristãos? Será que estamos num mundo onde tais atributos até parecem mal? Não há vontade própria, nem vontade política...?Será que o correctamente político já não é o que era?
Gostava de perceber, mas deve ser assunto muito dificil de(di)gerir coisa só para grandes"cabeças".
Continua a pensar por escrito, pois pode ser que ajudes pessoas também a pensar como é importante sair deste deserto!

Anonymous said...

fantástico! para qunado outro post?